ABIGRAF – ES conversa com economista Zeina Latif e com o presidente Levi Ceregato
(Por Polânia Pancine – ABIGRAF – ES)
Doutora em economia pela Universidade de São Paulo (USP) e consultora econômica, Zeina Latif trabalhou na XP Investimentos, Royal Bank of Scotland (RBS), ING, ABN-Amro Real e HSBC. A economista ainda, durante muitos anos, também trabalhou para a Associação Brasileira da Indústria Gráfica – ABIGRAF Nacional.
Nesta entrevista, Zeina nos fornece um panorama econômico do mercado, as mudanças na cadeia produtiva, bem como sobre a indústria gráfica.
1- Como você avalia o mercado brasileiro atualmente? Acha que ele irá se recuperar economicamente em quanto tempo? O que os empresários gráficos podem fazer diante desse cenário?
Zeina: O fundo do poço já foi. A gente tem visto os indicadores econômicos de forma quase que generalizada numa tendência de recuperação já a partir do mês de maio. O retrato é muito heterogêneo em termos de intensidade dessa volta. O varejo com destaque em relação a indústria e aos serviços. Não chega a ser surpreendente isso porque, afinal, a gente teve uma injeção muito forte de recursos por conta do auxílio emergencial. Só para ter uma ideia essa política injeta por mês o equivalente a 50 bilhões de reais, sendo que a metade mais pobre da população gera uma renda de 30 bilhões mensal. Então de fato foi uma injeção muito forte de recursos e isso acaba muito mais facilmente estimulando o consumo. Aqui a ressalva que tem que ser feita, portanto, quando a gente for olhar para frente, é que tem um quê de artificial nessa recuperação que a gente tem visto, porque afinal o auxílio emergencial tem data para acabar, é bem possível que seja renovado até o fim do ano, essa discussão está muito forte no congresso, mas vai depender do que vai ser a renda básica no ano que vem, que certamente não vai ser tão generosa como o auxílio emergencial, e é recomendável que não seja porque é uma política que certamente tem muitos efeitos nas contas públicas e também no mercado de trabalho.
Mas enfim, o fato é que o varejo reage. Agora mesmo dentro do varejo, claro que as intensidades também são diferentes, o que mais tem puxado é a parte de alimentos. As pessoas têm ficado mais em casa e em segundo lugar aquilo que é associado ao bem estar das pessoas em casa: móveis, eletroeletrônicos, ou mesmo material de construção, então claramente os consumidores estão preocupados com o seu bem estar também. Os demais setores têm uma tendência positiva, mas muito mais para trás, um movimento mais lento por causa da natureza da crise. O setor de serviços ainda tem um longo caminho, os números são positivos, mas ainda tem um longo caminho e a indústria certamente também. O quadro da indústria mais uma vez é heterogêneo, mas mesmo quando a gente pega, por exemplo, a indústria de alimentos ela não tem exatamente uma tendência de alta, ela não foi impactada de verdade pela crise, se manteve resiliente. Se de um lado a indústria de alimentos está andando de lado, mas por outro as vendas do varejo está indo tão bem, isso sugere algo que a gente já tem visto nos últimos anos que é o aumento da participação dos produtos importados. Então a indústria, mesmo com a taxa de câmbio para cima, ela não tem conseguido ter competitividade e a gente vai perdendo espaço para o produto importado. Eu não acho que essa tendência se esgotou. A gente vê segmentos da indústria com parque produtivo muito defasado tecnologicamente.
Esse Brasil caro, esse custo Brasil que impacta tanto a indústria, então não dá para gente dizer que esse movimento se esgotou, claro que pode até perder força por causa do dólar, mas eu acho que tem que olhar isso com algum cuidado. E daqui para frente, como eu disse, não dá para a gente tomar alguns indicadores dos últimos meses e achar que uma linha de tendência, portanto a tal recuperação em v, ainda que para o varejo isso possa fazer sentido, mas pra economia como um todo não. Certamente olhando para frente o ambiente é desafiador: as contas chegam, os impostos que foram diferidos, o fim de programas de estímulo pelo governo. Não é só auxilio emergencial, são outras medidas também para o mercado de trabalho, para o crédito. Tudo isso vai expirando e tem uma economia muito machucada. Empresas se defrontando com problemas de inadimplência, consumidores assustados, então digerir todas essa feridas, todos esses problemas. A gente já sabe pela experiência passada que recessão não é um processo muito rápido, então temos que ter uma certa cautela em relação à recuperação. E, mesmo do ponto de vista do ambiente macroeconômico, a gente tem hoje um quadro bastante confortável de taxa de juros do banco central, mas com todas essas questões fiscais que a gente está vendo, é possível que tenhamos ainda alguns sustos no mercado financeiro e no próprio comportamento do dólar, da curva de juros, enfim. Tudo isso para dizer que essas projeções que hoje são consensuais no mercado. O consenso de mercado é de um crescimento do pib da casa de 3,5 ano que vem, eu pessoalmente acho um número bem otimista. Eu acho que é um número mais pra 2, 2,5 do que pra 3,5. Acho que é um número mais modesto.
Em relação à indústria gráfica o que a gente tem visto não é novidade em relação ao que se vem tem observado nos últimos anos. O quadro é muito diferente quando a gente olha o setor de embalagens e o restante a parte mais editorial que concorre com tecnologia digital mais uma vez nessa crise, essa diferença ela ficou ainda mais exacerbada. O comportamento da produção de embalagens de papel até teve na comparação com o ano passado registra no acumulado dos últimos três meses até junho uma queda, mas é muito aquém do restante da indústria gráfica e o que não deixa de ser surpresa em função dos deliverys, enfim, o grupo de embalagens de plásticos que se saiu melhor. Então é importante considerar essas diferenças. Agora de uma forma geral, como a gente tem um ambiente ainda de incertezas, é muito importante que os empresários tenham uma gestão cuidadosa das suas finanças, das suas estratégias, porque não é um país que vai se recuperar fácil e rapidamente. Então por um lado, sim, é na economia que vai reagir e as empresas têm que estar preparadas, se posicionarem para isso, conhecerem os seus clientes. É muito importante entender o desejo desse consumidor pós pandemia, mas por outro lado pé no chão na gestão das suas finanças.
2- Qual será o novo normal da economia mundial? O coronavírus foi capaz de mudar para sempre a cadeia produtiva? Como isso pode impactar dentro da indústria gráfica?
Zeina: Em relação ao cenário Internacional e cadeias produtivas cresceu muito essa discussão de depender menos do fornecimento de produtos estratégicos de países. Enfim ,eu acho que isso é uma reação muito de curto prazo porque a gente sabe que são as cadeias globais que contribuem para redução de custos de produção, então apesar de tudo eu não acho que do ponto de vista mais macro a gente vai ter mudanças significativas. Pelo menos nada que empate Brasil de forma mais sensível, até porque o Brasil não é exatamente um país que está conectado nessas cadeias. A gente é pouco conectado e muitos produtos que a gente importa, nem dá para dizer que são estratégicos, mas de qualquer forma a gente não tem muitas vezes capacidade de produzir os mesmos custos para de fora, então eu não vejo essa discussão, de fato, sendo relevante no sentido de dar impulso para nossa indústria.
3 – Que dica você daria para os empresários do setor gráfico no que diz respeito às finanças nesse momento? É possível amenizar prejuízos financeiros decorrentes da crise?
Zeina: As empresas, dependendo do segmento da indústria gráfica, são histórias. Não há dúvida que cada um vai ter que olhar para o seu setor e avaliar se o seu modelo de negócios do jeito que está hoje faz sentido. Esse é um questionamento que empresário tem sempre tem que fazer e agora ainda mais. É muito importante o empresário fazer esse esforço, por mais doloroso que seja, e avaliar o seu modelo de negócios, avaliar o que que precisa ser alterado, se tem que partir para outro tipo de produto, outro tipo de parceria, enfim, isso é um primeiro aspecto. Feita essa reflexão, é claro que existe um trabalho de renegociar dívidas, conversar com clientes, com fornecedores em como se ajustar essa nova realidade. Esse trabalho é essencial, tanto no sentido de diálogo com clientes, como de fornecedores também, para tentar equilibrar as finanças e, obviamente, credores porque como eu disse tem um processo aí que não é brincadeira. A gente tem uma tendência de aumento de inadimplência, muitas pessoas com dívidas com fornecedores, então esse trabalho de renegociar e de ajustar o caixa precisa ser feito. É importante o empresário tomar a liderança nisso: ele procurar para tentar discutir as suas pendências.
“Não mude de ramo, mude rumo!”, aconselha o presidente da ABIGRAF Nacional, Levi Ceregato.
Presidente da Abigraf Nacional, Levi Ceregato acredita que o faturamento deste ano será 50% menor do que no ano passado, já que a luta contra o novo coronavírus continua. No entanto, ele aconselha aos empresários do setor gráfico a não desistirem e defende que a indústria gráfica não vai acabar. “Não mude de ramo, mude de rumo! É necessário criatividade, inovação, disposição. Procure fazer o que mercado quer comprar. Não adianta imprimir convite de casamento se ninguém está casando. O que estão comprando, por exemplo, é sinalização de adaptação das empresas para a volta do trabalho, do novo normal, então é preciso começar a fazer isso. Hoje você tem apartamentos, escritórios que entregam a parede toda de branco e você vende na área de grandes formatos painéis imitando azulejos, decoração. Isso é gráfica. A impressão antes a gente sempre ficava no papel. Hoje não é só papel, você imprime papel, imprime plástico, inclusive tecido. É gráfica, é impressão. Pessoal da área de alimentação podem fazer placas, enfim, isso é gráfica. Quando você vê caminhões com placas, isso é gráfica. Então o que vejo é que não podemos mais ficar míopes de mercado, tem que ampliar e se propor a fazer coisas que você não era habituado, porque se não você não consegue funcionar. Isso tudo é necessário que haja uma disposição do empresário, se ele não tiver essa energia ele não vai para lugar nenhum. Não há mais espaço para o marasmo, tem que reagir, criar, inovar”, disse.
Levi ainda comenta sobre a era digital, em quem muitos empresários tiveram de se mostrar presentes no ambiente virtual nesse momento, mudança que ainda está em curso. “Tínhamos um foco na produção. A parte das indústrias nós crescemos, já no comercial nós ficamos e agora essa crise veio dar um despertar. É preciso vender, não é só criar, é levar solução para cliente. Tem que produzir o que o mercado quer. Estamos saindo de uma posição reativa, em que o cliente batia na porta, para uma posição proativa, de ir atrás da solução. É preciso estreitar relacionamento com o cliente. É uma coisa que depende de nós”, conta. Para superar esse momento de pandemia, a Abigraf Nacional tem apoiado os associados abastecendo-os de informações e apoio em diversas áreas. Desde março já foram emitidos mais de 100 comunicados com ações adotadas pela entidade.